Ela se olha no espelho, e num súbito, se sobressai. Vê seu verdadeiro eu ali, parada em sua frente. A imagem a assusta parece não conhecer quem ali está. Passa a ver-se e ouvir-se, distintamente.
Uma lágrima escorre pelo seu rosto e então o reflexo pergunta: quem é você quando ninguém está olhando?
“– Não sei”– responde.
E o reflexo diz: ”– Olhe para sua infância cheia de buracos vazios, enfeitados com flores plásticas, nada ali é natural. Deram-lhe inteligência além da sua existência. As pessoas te olhavam e admiravam por ser uma garotinha de fala difícil, contestadora ao extremo. Você passou a aceitar a identidade lhe imposta. Passou a ser contra as tradições e ensinamentos transmitidos no lar. Olhe para você ali torcendo pra ganhar um all-star no aniversário, pra se senti a roqueirinha descolada na escola. E seus cadernos? Todos com a última folha rabiscada. Lembra quando você desenhava assistindo aos desenhos na TV? Tinha o sonho de ser uma desenhista, daquelas que também escrevia sua própria história. Cresceu. Ficou chata consigo e perdeu a referência. Ficou presa na própria rede que teceu. Passou a...”– interrompida.
“– CALE-SE! Peguei meu verdadeiro eu na prateleira e passei a usá-lo. Não quero perder quem sou. Não mais.Não suporto minha contestação. Agora não basta ser a mais inteligente, mais bonita, mais gostosa. Quero também ser amada, compreendida, compreender, apaixonar-me, sofrer, alegrar e também errar. Agora sou assim, pessoa natural. Ser humano de carne e osso. Afinal, o que eu faço quando ninguém está olhando resulta na sua criação, o que você vê em mim, e cada vez que isso acontece me torno melhor.”
(Contribuição para a Corrente literária "Quem")
Coisa linda, Ju.
ResponderExcluirParabéns.
E obrigado por participar.