Eu nunca fiz questão de ser o que eu não era. Sabe essas coisas de menina? Escrever com caneta lilás, ter tudo rosa, pregar adesivo no caderno, colecionar papel de carta, usar as duas meias ajeitadinhas na mesma altura, falar baixo, ter gestos delicados, usar saias, gostar de maquiagem, joelhos lisinhos, cabelo penteado, ser tímida, não responder à pergunta da professora por vergonha?
NUNCA FIZ ISSO quando era criança. Eu era o furacão. O Monstrinho. Conversava na sala em horários indevidos, brigava com os professores que não ensinavam direito. Eu era a gorda baixinha geniosa entrona cdf metida. E tentava me incentivar a ser mais menina, menos desajeitada, menos desastrada. E eu dizia: "Mãe, eu não sou assim não, mãe".
Tudo eu fazia com intensidade, com fúria, com paixão, e até com sofreguidão. Desenvolvia obssessõezinhas. Assistir cinco vezes ao mesmo filme, ler trinta vezes o mesmo livro, ouvir cem vezes a mesma música, contar mil vezes a mesma piada. Tudo com imensa franqueza. Com um intenso gostar. Eu sempre fui sem-vergonha. Não sei ser tímida.
Essa baboseira toda é pra dizer que não sou, não tento e jamais tentarei ser perfeita. Aliás, as vezes dou foras e em seguida sou a rainha do "desculpaí". Explodo e minutos depois, estou tentando consertar as coisas.
As pessoas tentam desculpar: "Tudo bem, eu te desculpo, eu sei que você tá tentando mudar esse seu jeito". Ou seja, "Eu te desculpo, mas espero que você passe a ser doce, meiga, gentil, cordata, pacífica, num futuro próximo."
E eu digo: "NÃO! Não estou tentando mudar não. Eu faço truculências, sou rude, sou impaciente, sou egocêntrica, acabo ofendendo os outros. Não acho que estou certa, mas sou assim e aprendi a gostar de mim dessa maneira. Peço desculpas, sim - pois amo as pessoas com quem explodo, e ofendo intensamente as pessoas que mais intensamente amo - mas não tenho um pingo de vontade de ser bibelô."
Cá entre nós, eu acho que eu sou mais inofensiva assim do que sufocando a grosseirona que eu sou, e fingindo ser uma doçura de mocinha.
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